A VOLTA
a sombra amiga dos beirais vermelhos.
Atravesso o jardim e a terra beijo,
peregrino a rezar, assim, de joelhos.
Abro a porta de leve. Hesito. Arquejo.
E junto à face morta dos espelhos
julgo rever meu Pai – sonho ou desejo? –
na velha casa dos beirais vermelhos.
O pranto me domina... É o mesmo teto,
a mesma sala em que vivi, outrora,
cercado de carinhos e de afeto.
E corro, então, aflito e adiante abraço,
abraço minha Mãe – que também chora –
E me faz descansar em seu regaço.
INTEMPORAL
A dor, o suor, a mágoa, o desalento,
o silêncio da noite, o longo espaço
marcam dentro de mim o tempo e o vento
no sangue a rebentar.
Em cor e traço,
de mágico desenho , esse lamento
de músculos e nervos.
Passo a passo
desejo o que não sinto – amargo advento
de negras asas sobre a luz! Cansaço
de tanto aventurar , cada momento,
no céu, no mar, no amor, quem sabe?, alento
para viver em desespero . E o faço
sofrido, quase insano, e, assim, violento,
grito – bem alto – o horror desse tormento
à estrela morta que não mais abraço...
A MOÇA E A
CIGARRA
A tênue luz da tarde, calma e bela,
o jardim verdejava, resplendente!
E havia a moça triste na janela
e um pé de manacá à sua frente.
Rasgando a sombra morna junto a ela
surgia o canto, estrídulo, fremente,
da cigarra boêmia... E a tarantela
enchia, o fim da tarde, de repente.
Era assim no verão...Até que um dia
a cigarra se foi... Morreu, por certo,
por excesso de amor ou nostalgia.
E desde então essa visão persiste:
o pé de manacá
ficou deserto,
e, mais triste, à janela, a moça triste...
O VELHO AMIGO
Você, meu velho amigo,
que relembro
à luz da tarde calma em que descanso.
Vai longe a
mocidade... Esse desejo
de glória a navegar em mar sem fim.
Seus olhos, seu
semblante, seus cabelos,
refletem, quais os
meus, o tempo e a vida.
A estrada é rude e a
solidão fareja,
indiferente, em torno
de nós ambos.
Sinto vontade em tê-lo,
aqui, ao lado,
recordando o passado, a
luta, a marcha,
nas raízes das coisas que
sonhamos.
Você, meu velho amigo,
estrela e arrimo!
E cujo nome eu levarei,
comigo,
para a sombra da noite
que vem perto...
A FUGA
Fugir de ti, fugir do
mar, fugir
do próprio coração
despedaçado,
pela maldade em
turbilhão medonho.
Fugir de ti, fugir do
mar, fugir
de tudo que recorde a
tua boca
com ressábio de mel e traição.
Fugir dos teus cabelos que
drapejam
qual bandeira de luto e de pecado.
Correr, fugir, transpor
todos os vales,
escalar, nessa fuga,
altas montanhas
que tocam céu deserto,
indiferente.
Fugir enquanto reste
alento e vida!
Embora essa visão seja
presente
à sombra da agonia
derradeira...
VENEZA
Eis-me aqui a teus pés! De novo,
deslumbrado,
à graça emocional de tua essência
rara.
E a Praça de São Marco – o presente e
o passado –
refulge a placidezque vem da tarde
clara.
És flor do mar aberto, exótica,
morrendo
de saudade e tristeza e completo
abandono.
E as gôndolas, o fausto e o
campanário vendo
sinto a mágoa envolver a teia do meu
sono.
Tens armas e brasões e mistérios
fatais
oh cidade perdida! E o bom senso me
foge
ao rever o esplendor do Palácio do
Doge.
O luar dissolve prata em volta dos
canais!
E Veneza agoniza, heráldica,
lembrando
luxo, veneno, amor e seios nus
sangrando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário