quarta-feira, 9 de setembro de 2015

POETISA SERGIPANA "ILDA REZENDE "


   BIOGRAFIA

Ilda Rezende nasceu em Porto da Folha-SE, em 05 de dezembro de 1937. Cultiva o gosto pela literatura desde a infância, quando fazia suas anotações de viagens e férias escolares, além de colecionar cadernos de poesias. Participou de várias coletâneas e orgulha-se de ter começado nas oficinas literárias coordenadas por Iara Vieira e Maruze Reis. Este Cama de Vento, primeiro livro publicado agora na maturidade, teve seus registros iniciais nos exercícios dessas oficinas. Da infância em Itabi-SE, a dona de casa e mãe de seis filhos, guardou o lirismo e a simplicidade marcas de sua poesia.

Sobre o livro Cama de Vento Maruze Reis diz assim: “A poeta parece compor um calendário de humanidades. Cama de Vento é um livro que faz um registro emocionado do tempo. Sua poesia recupera sinais e marca “ Algo mais além\Das horas”: Insônia, solidão, alegrias e perdas. Um aglotinado harmonioso de versos cujo o canto é mais da vida que das horas desse inexorável relógio do tempo. Há o tempo das varandas e casas de platibandas; há o tempo do amor, há o tempo em que “as chaves são adornos”; há o tempo...há poesia.
Sobre a poeta diz Ronaldson Sousa: Ilda Rezende dá um toque especial à existência por registra-la em flagrantes cândidos, pelo veio e verve de sua poesia simples e autêntica: dela, podemos perceber o quanto pode a arte literária expandir e enriquecer o universo vivencial de todos nós.

ALGUMAS POESIAS DE ILDA REZENDE

É madrugada
O nascer do sol
Enche de energia
O peito dos pardais.
As baratinhas silenciosas
Rastejam-se no chão da cozinha
À procura de miolo de pão
É madrugada.
Nem todos dormem.
O poeta mergulhado na imaginação
Volta de mãos vazias:
Nem peixes
Nem escamas
Nem facas


DE CECÍLIA

O livro de bolso
E Cecília na capa
Sorrindo
Serena
Olhar bonito
Olhando-me
Acho que ela
Quer me dizer
Entre nessa
Venha ser poeta
Poesia é ter lápis e
Papel na mão e
Escrever versos. Versos
Que brotam como canção:
“Pus meu sonho no navio
E o navio em cima do mar...”
NO CLOSET
Cabides vazios
Gavetas abertas
Choram a tua ausência.
BANHO DE LUA
A lua se banhando
No mar
É impossível
Não olhar
-------------------------
Não tenho segredos
As chaves são só adornos
-------------------------------


A TELA

A Hortência Barreto
Da tela multicolorida
Fiz o portal dos meus sonhos.
Deram-se as mãos,
As bonecas
Da cor do arco-íris
E assim, de mãos dadas
Fomos passeando
Pelo encantado mundo
Até chegar à calçada alta de lajes
Só pra ler poesia.
ARCO ÍRIS DE BONECAS
Deflagrado
Na tela
Os sete sonhos
De minha
Infância


RECADO

Diga a Aracaju
Que sinto saudades (dela)
Principalmente
Da Coroa do Meio
O mar batendo nas pedras
Invadindo as ruas
(E meus pensamentos)
Sinto saudades
Das cabanas na praia
Das manhãs de caminhadas
Onde descansava
As pernas
Nas cadeiras de tábuas
(Frágeis cadeirinhas...)
Sinto saudades
Dessa areia grudadinha
Que cola no corpo inteiro
E tem brilho de purpurina
Sinto saudades
Do por do sol
Quando as tartarugas (preguiçosas)
Vinham lentas
Nas ondas do mar
Dizer:
Até outro dia!

POETA SERGIPANO "EZIO DÉDA"‏


 
BIOGRAFIA DE EZIO DÉDA


Natural de Simão Dias -SE, Ezio Déda é arquiteto e escritor. Em 2001, lançou o livro de poemas Árvores de Folhas Caducas,apresentado por Maria Bethânia. Foi coordenador dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Design de Interiores da Universidade Tiradentes durante o período 2004\2009,ocupando,atualmente a cátedra de Projeto de Arquitetura. Em 2008,fundou o Ágora Arquitetos Associados. É o arquiteto responsável pelo projeto do Museu da Gente Sergipana, juntamente com a equipe do Àgora. O projeto foi vencedor do Prêmio Nacional "O Melhor da Arquitetura", na categoria restauração. É autor do livro em multimídia A Casa das Ausências, obra que mescla poesia,dramaturgia,desenho e música,contando com as participações de Antônio Abujamra, Jorge Mautner, Maitê Proença, Jorge Versíllo, Teresa Rachel, D. Canô, Arildo Déda, Marcelo Déda, Arttur Déda, e e Expedita Ferreira e Zélia Ducan. Atualmente, exerce a função de Superintendente do Instituto Banese, que possui ações voltadas para a cultura e responsabilidade social . É Conselheiro da Editora do Diário Oficial do Estado de Sergipe.

-SE

Quando chegou a primeira
ausência
Ainda vivia no verdadeiro
tempo das coisas
Cotidiano de minhas esperas
Mas vieram tantas outras
Que aprendi a morar na
antecedência do destino
Eu existi na véspera da vida


-----------------
Atrás de toda felicidade
Há sempre um luto em
silêncio
Uma renúncia que acena
ofegante pela vidraça.
Por quantas impossíveis
geografias
Ainda permaneceremos
exilados na fronteira do equívoco
Mesmo nos sabendo
vizinhos de terras
devolutas?
-------------------------
Nasci através de mãos
laicas
Fui recebido sem anestesias
E o eco veio inaugurando a
manhã do quarto que chovia
Era a alegria pura, sem
precedentes ou expectativas
Era a saúde empírica de
toda família
Estou vivo como o vento
das águas revoltas
No necessário
desassossego de minha
natureza.
----------------------------------
A lucidez me vem como
gota amarga
Se molha a porção que
escorre da naturezas dos
telhados
O líquido que sorvo é incolor
inodoro e insípido
Mas nunca é agua pura.
--------------------------------
Trago no dom o
insustentável traço da sina
De ser eu mesmo a letra que me aniquila.
-----------------------------------------------
Meu texto é veículo de
busca
Não esteta da língua que me
decifra
E expõe ao exílio
No vasto latifúndio baldio da América do Sul.


PROSADORES DEVEM LER POESIAS? - Antonio Carlos Mangueira Viana

PROSADORES DEVEM LER POESIAS?


Já ouvi algumas pessoas dizerem que quem escreve prosa deve ler sobretudo os prosadores para aprender com eles como narrar, descrever, contar uma história. Quem escreve poesia deve ler os grandes poetas e assim aprender com eles como se faz um bom poema. Assim, quem escreve contos só deve ler os contistas; quem escreve crônica, só os cronistas... Tudo seria muito pobre se assim fosse. Eu sou um inveterado leitor de poesia, que vive correndo atrás do que vêm publicando tanto velhos quanto novos poetas. Creio que devemos ler tudo o que nos ajudará a desenvolver melhor o nosso ofício.
E o que a poesia tem a dar a quem trabalha com prosa? Primeiro: o ouvido. Educar o ouvido com os poemas de uma Cecília Meireles, de um Drummond, de um Bandeira, e mesmo com o metálico João Cabral, é ficar atento ao mínimo ruído que perturba a frase. Segundo: o ritmo. Um bom texto, seja ele em prosa ou poesia, precisa ter ritmo. E nada ensina mais o que é ritmo do que um bom poema. Preste atenção na cadência das palavras, nas rimas (se houver), na sequência dos sons. Há prosa mais cadenciada do que a de Guimarães Rosa? Terceiro: a escolha das palavras. Com a poesia, aprendi que o ritmo nasce de uma sequência de sons que nos roubam o ouvido. No meu trabalho, muitas vezes fico procurando uma palavra que caiba em determinado fragmento de frase só para criar um ritmo capaz de lhe dar uma cadência. E isso leva até meses para encontrá-la.
Há livros que a gente lê sem nenhuma dificuldade, que fluem como água clara escorrendo suavemente. Há outros que parecem feitos a martelo, um rio de cheio de pedregulhos, um obstáculo a cada frase lida. Por que alguns autores nos conquistam logo de saída e outros não? A resposta está no ritmo, na cadência das palavras, nos sons que se combinam, no ouvido que o escritor apurou para transmitir ao leitor o melhor de sua prosa. A poesia me ensinou muito e ainda me ensina. Antes de procurar o sentido de um poema (muito cuidado com isso!), estenda seu ouvido aos sons que ele agencia, ao ritmo que nele predomina, às palavras que aparecem no seu corpo em lugar de outras que seriam seus sinônimos. Ler o poema com as palavras ausentes diz muito mais de sua fatura do que ir ao dicionário em busca de um sentido para elas.




ANTONIO CARLOS MANGUEIRA VIANA

CONTO OU CRÔNICA? - Antonio Carlos Mangueira Viana

CONTO OU CRÔNICA?


"Pergunta recorrente em minha vida de escritor: você escreve contos ou crônicas? Claro que contos, não sei escrever outra coisa. Sempre respondo que o conto se lê na vertical, a crônica na horizontal (não confundir com outras posições do gênero). No conto, você mergulha quase sempre numa história de alta voltagem, que deve arrastá-lo até o final, sem trégua. Já a crônica é como um passeio por um parque, você começa e vai até o fim sem nenhum sobressalto. Não há preocupação com a densidade psicológica das personagens, isto é, quando se trata de crônicas com personagens. Geralmente ela fala de um fato banal do cotidiano, mas nem por isso ela é banal. É tão difícil escrever uma boa crônica quanto escrever um bom conto. Quem quiser que pense.
O conto deve nos arrastar desde as primeiras linhas para um final nunca dado antecipadamente. Se isso acontecer, o contista fracassou. Surpreender o leitor, eis a sua máxima. Dizem que o bom conto só se resolve mesmo nas últimas linhas. Se for a última palavra, melhor ainda. Mas aí é preciso dominar mil artifícios. As personagens vão se delineando pouco a pouco na mente do leitor, nunca nas primeiras linhas como na crônica. Nesta, elas são dadas com toda clareza, pois o gênero é para ser consumido rapidamente, ninguém vai ficar o resto do dia pensando na crônica que leu no jornal durante o café da manhã. Já o conto, mesmo depois de terminada sua leitura, as personagens ou os fatos podem ficar nos perturbando por horas, dias, meses, quando não anos. Quem nunca leu "A terceira margem do rio", de Guimarães Rosa, leia que vai me entender.
Mário de Andrade dizia que o bom conto é aquele que, ao final de sua leitura, deixa o leitor com o olhar perdido no horizonte.
Espero ter esclarecido de forma sucinta as diferenças entre esses dois gêneros de tão difícil tessitura."






ANTONIO CARLOS MANGUEIRA VIANA

O RESPEITO À LÍNGUA - Antonio Carlos Mangueira Viana

O RESPEITO À LÍNGUA
 

Foi Clara Angélica quem tocou no assunto, dizendo que tanto aqui, no Brasil, quanto lá, nos EUA, onde ela mora, o desrespeito à língua é comum. Foi isso que entendi. Se não, que ela me corrija, por favor.
Em tempos de mensagens rápidas, é normal que a gente tenha preguiça de acentuar (eu mesmo tenho), de escrever a palavra inteira (quando posso, a reduzo ao essencial), de escrever frases com começo, meio e fim (isso evito). Afinal o meio é a mensagem, já nos dizia um dos papas da comunicação do século que deixamos para trás faz pouco tempo.
O respeito à língua vai muito além disso. Nessas comunicações diárias, quando a pressa é quem manda, acho normal fazermos supressões. O grande problema está em quem faz isso com consciência e quem não o faz. É como dizem de Picasso. Para ele desconstruir a figura, antes aprendeu a fazê-la com todos os detalhes. Quem já viu seus desenhos minuciosos entenderá isso facilmente. O mesmo podemos dizer de quem desconstrói a língua por sabê-la demais. Ninguém chega a fragmentar bem uma frase se não aprendeu como estruturá-la perfeitamente.
Chegamos então ao ponto crucial da questão: o nosso ensino é uma lástima. Antes de aprender a escrever uma frase perfeita, o adolescente já escreve frases caóticas e continuará assim porque a escola não se preocupa com os meios que ele utilizará em sua vida para se comunicar. Aí entra aquele amor à língua que aprendemos no passado com professores que não podiam ouvir um "pra mim fazer" sem se arrepiar. Não vou ficar lamentando o presente em relação ao passado. Apenas detecto que há muito se perdeu o amor à língua, à linguagem. É triste ver mesmo pessoas que querem ser escritores sem o mínimo domínio da gramática e da linguagem. Daí os textos cheios de clichês ou de criações linguísticas de mau gosto. Sou dos que ainda se arrepiam com um "lhe vejo amanhã" . Na linguagem cotidiana, tudo bem, ninguém vai ficar gastando regência numa simples despedida, mas, se gastar, nada contra. Num texto coloquial, tudo é questão de adequação.
E de onde vem tanto desamor à língua. Sinal dos tempos, diriam alguns, quando ninguém se preocupa com miudezas como "lhe amo tanto!". Para respeitar seu idioma, e por extensão a própria pátria, só mesmo uma boa educação. "Minha pátria é minha língua", canta Caetano o verso de Pessoa, para poucos ouvidos.



ANTONIO CARLOS MANGUEIRA VIANA

O SIMPLES E O SIMPLÓRIO - Antonio Carlos Mangueira Viana


O SIMPLES E O SIMPLÓRIO



Quem já leu "Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, vai entender do que estou falando. Se você ainda não leu, vá correndo pegar seu exemplar em qualquer livraria. Quando li esse livro pela primeira vez, fiquei matutando como alguém, usando as palavras mais comuns do mundo, criou uma obra de tanto impacto e que ficou para sempre em nossa literatura. O livro é escrito de forma simples, sem recorrer a malabarismos frasais, a palavras escalafobéticas, numa linguagem limpa, transparente, que atinge qualquer leitor.
Mas como escrever de forma simples?, eis a questão. Quem pensa que é fácil se engana. O estilo simples é o resultado de muitas horas, dias, meses, e até anos, do trabalho de um escritor diante de seu texto, limpando-o de todas as excrescências, dos clichês, das palavras que atropelam a frase e, por consequência, a leitura.
Há livros que nos pegam de vez e só largamos ao fechar a última página. Quando você ler um livro (pode ser agora), observe se a leitura escorrega fácil por seus olhos e ouvidos (aqui entra o ritmo, do qual já tratei neste espaço).
Quem começa a escrever pensa que é usando palavras difíceis que o texto atrairá a atenção do leitor. Grande engano. Nenhum leitor quer ser importunado com um palavrório que necessita de um dicionário ao lado. Ele procura uma distração, e o livro não deve pesar em suas mãos. A leveza é uma das características da boa obra literária (Calvino). Texto que começa a pesar desde a primeira página deixa o leitor impaciente. Há pessoas que adoram escrever difícil, como se isso fosse sinônimo de obra complexa.
O mesmo ocorre com a poesia. Como, de palavras tão triviais, extrair chispas poéticas capazes de extasiar o leitor. Todo o X da questão está não nas palavras, mas na forma como elas se combinam. E aí o escritor tem de ser impiedoso consigo mesmo. Não deixar passar nada que roube a simplicidade de suas frases, de seu texto. Deve estar atento à combinação das palavras, não colocando qualquer uma delas só porque a considera bonita. Neste caso, saímos do estilo simples e caímos no simplório. Há textos que nos dão pena de tão pobres que são em termos de linguagem.
Há quem fique se perguntando: que diabo de linguagem é essa, de que os críticos tanto falam? É aquela capacidade de um autor saber se elevar do nível mais comum da combinação das palavras cotidianas e alçar um patamar estético (com elas e apesar delas) capaz de nos emocionar. É na combinação das palavras, da sequencia das frases, que sentimos o pulso do bom escritor.
Os simplórios se contentam com tudo que dizem ou escrevem. Os que procuram a simplicidade nunca dão o trabalho por terminado. O livro só termina mesmo porque o editor coloca um prazo e dele não abre mão, porque, se abrir, vai esperar ainda alguns anos. O bom escritor dificilmente se dá por satisfeito com o que produziu. Sejamos simples, nunca simplórios.



ANTONIO CARLOS MANGUEIRA VIANA

sábado, 14 de março de 2015

POESIAS E CRÔNICAS SOBRE ARACAJU





ARACAJU, MEU AMOR


De ti conheço todos os traços                                                  
as linhas de teu corpo percorri
sem sequer ser consultada
no inverno maltratas a terra, e os homens
represando a cidade com suas águas
imundas
no verão seduzes mulheres e crianças
atraídas pelo falso brilho
nem sei o que me prende a ti
se és reta, sem curvas,
murchas nádegas, batidos os  seios
mas não te troco por ninguém
porque o encanto em ti
é não teres nenhum encanto.

                                                  IARA VIEIRA
                                                 (Esses Tempos Ad/Versos, Folha da Praia 1984)


                  RIO SERGIPE
Rio Sergipe, tão íntimo,
As ternas águas domésticas,
Irmanava tua insônia
Ao remanso do meu quarto.

Hoje, oceano, me bordas
Luas antigas, atlânticas,
Quando à varanda escuto
As águas que , dentro em ti,
Tantos anos, me conhecem.

Que, embora venhas ò rio,
Do Agreste ao largo estuário,
Sou eu, meu rio querido, 
Sou eu que em verdade passo...

                                                       HUNALD DE ALENCAR
                                                     (DUO para poesia e Teatro, 2011)



CUIDADO SILÊNCIOS SOLTOS



Arcaju, arcazul

se não sim

caminhos do sul

não são para mim


MÁRIO JORGE, 1993



VERÃO EM ARACAJU


Começa mais cedo

O verão em minha terra.

O sol, ova bela dos trópicos,

Brota das plantas

Da raiz e submersos

E os coqueiros espanam o céu

Com suas cabeleiras luzentes

Cheias de vento e lâminas gel.



O verão em Aracaju


Nasce polpudo

Numa luz sólida

E amarela

Parida de um caju sideral

Imenso

Etéreo

Que cobre todo litoral.



Uma luz diferente

Puríssima

-gaitchosa-

Tomando tudo

Na cadência do falar brejeiro

De matéria grossa e pastosa

Cheia de veios de encandeios

A gotejar sem fim

Raio a raio

Sob a mansidão do Poxim.


RONALDSON (poema do livro Litorâneos)



OBSERVATÓRIO EM GRAGERU


O mundo é grande, inabarcável.

Mas digo Grageru

E o apalpo por inteiro.

Se o mundo é grande,

Maior-bem maior que

O mundo inteiro-

É o meu terreiro.


Grageru,Grageru-

Neve chova ou faça

Sol, de ti abarco tudo

Seja noite dia dezembro

Amores abril ou fevereiro


JOSAILTO LIMA( Retrato Diverso,2004)



CANÇÃO DA PRAIA


O esporão de arraia

Cravou seu gozo temporâneo

Não há como amar

Aracaju, meus conterrâneos.

O paraíso fez-se aqui

ao sangue do mangue

na laia da praia

entre cascatas e tambaquis

e com sua anestesia

de alegria

um sol de beiju

se levanta

driblando caranguejos e siris.


RONALDSON (Litorâneos)



RECADO


Diga a Aracaju

Que sinto saudades (dela)

Principalmente

Da Coroa do Meio

O mar batendo nas pedras

Invadindo as ruas

(E meus pensamentos)

Sinto saudades

Das cabanas na praia

Das manhãs de caminhadas

Onde descansava

As pernas

Nas cadeiras de tábuas

(Frágeis cadeirinhas...)

Sinto saudades

Dessa areia grudadinha

Que cola no corpo inteiro

E tem brilho de purpurina

Sinto saudades

Do por do sol

Quando as tartarugas (preguiçosas)

Vinham lentas

Nas ondas do mar

Dizer:

Até outro dia!


ILDA REZENDE - poema do livro Cama de Vento (inédito)



A PONTE E O VAZIO

à Ponte do Imperador

Nessa ponte não impera a dor

mas sim a alegria

pois ao ligar-se ao nada

beira a margem da poesia.


JEOVÁ SANTANA- Poemas Passageiros, 2011



COM A PALAVRA, O SILÊNCIO


Da próxima vez que eu te encontrar

No calçadão da João Pessoa

Deixarei pra depois

As contas a pagar

Te convidarei pra tomar umas

E exercitar a arte de falar mal dos amigos

E esculhambar o governo


Da próxima vez que eu te encontrar

No calçadão da João Pessoa

Largarei a pressa no chão

E te convidarei pruma prosa

Na qual relembraremos

Os eles e elas

Que povoaram nossas vidas

E haverá tempo pra dizermos

Os trechos dos poemas que amamos

Talvez eu te dê um beijo

Ou segure tuas mãos

Por um tempo que chame a atenção

De quem passa nesta cidade

Onde o tempo não faz curva

É o que farei na próxima vez

Que te encontrar

No calçadão da João Pessoa


JEOVÁ SANTANA (poema do livro Poemas Passageiros)




(verso\1958)

Carrossel foi fincado

na praça de Aracaju

cavalo colado

cadeira pregada

carrossel rodou cheio de crianças

carrossel girou, girou

foi pra dentro da gente

fez da gente pião

e lá fomos rodando

pelo mundo afora.

Carrossel fincado dentro da gente

carrossel fincado na praça de Aracaju.



(reverso\2002)


carrossel retirado

da praça de Aracaju

cavalo queimado

cadeira quebrada

carrossel despregado

do peito da criança

pinhão solto no mundo

atravessado

entalado na garganta

regurgitado

no sono

dos sobreviventes



NAÇÃO TUPI


Pela guerra justa

Lavou-se de sangue

Nação Tupi

Tupinambás morreram

Palhas e coqueiros se converteram E choraram

Dançaram os últimos dos tupis, Diante do clarão.

Ferida acesa.


Sob a dança da chuva,

Peles indígenas

Converteram-se em estrelas.

Serigy contemplou

A pureza de um beijo

Que a lua banhou

Sobre o corpo de Antônio.

Morros de areia,

Colina e aldeia,

Araras e cajus.


JONAS SANTOS DE JESUS – 1º Lugar do I PRÊMIO TOBIAS BARRETO DE POESIA -2004





UM CAMINHO, ALGUMAS LEITURAS!

Caminhar é um exercício de leitura, principalmente quando experimentamos aquele olhar de criança curiosa que se encanta com tudo que está ao seu redor. Caminhando podemos ler o rosto das pessoas, a natureza, os acontecimentos. Caminhar amplia o olhar.
Estava me deliciando com esse pensamento quando esbarrei em Tobias Barreto no Espaço de Convivência Cultural da Orla de Aracaju. O bronze duro da estátua tamanho natural despertou meus sentidos. Examinei a figura de Tobias: imponente, rosto de traços marcantes, pernas que pareciam caminhar firmes em minha direção. Observar Tobias fez com que me lembrasse de outras leituras que fiz sobre esse escritor, e como um pensamento leva a outro... Se Tobias não tivesse morrido, o que escreveria nos jornais? E nos poemas? Que discurso faria? Que tipo de luta travaria?
Alguns turistas se aproximaram e começaram a tirar fotos com as estátuas. Uma foi logo abraçando Jackson de Figueiredo, outra tirou uma foto no colo de Silvio Romero, outro tinha os olhos fixos em Pedro Calazans (parecia querer arrancar a expressão do seu olhar). Eram treze turistas, somente dois leram o que estava escrito em cada uma das estátuas. E se, ao invés de turistas, fossem visitantes sergipanos? Quantos leriam? Quantos se interessam por nossa cultura, nossa história? Após alguns sorrisos e poses, os turistas foram embora. Lembrei do meu professor de artes que sempre insistia em dizer que um povo que não conhece nem valoriza sua cultura é um povo fácil de ser dominado. Professor que nos proporcionou aulas prazerosas sobre escritores e artistas sergipanos. Naquela época eu não podia imaginar a importância daquela vivência cultural!
Nesse momento, vi chegar um morador de rua cambaleante com uma garrafa de cachaça na mão. Sua roupa estava rasgada e suja, porém o chapéu que tinha na cabeça era de chamar a atenção. O chapéu tinha aba dobrada, vários espelhos e brilho de purpurina. O homem olhou para as estátuas e começou a cantar e a dançar:
-Quando eu cheguei nessa casa eu perguntei, eu perguntei se eu podia rezar.
Ajoelhar bem direitinho, guerreiro fazendo pelo sinal.
Depois quase caindo no chão, perguntou as estátuas:
O que vocês estão olhando? Nunca viram um mestre de guerreiro não? Tão achando ruim porque eu estou aqui no lugar de vocês que são rico? Vocês num querem que eu fique aqui não? Mas eu vou ficar. Eu não tenho para onde ir, eu não tenho casa, nem parente, nem amigo, eu não tenho ninguém.
Olhou então para Silvio Romero e falou:
-Ei você aí, você que tá com o livro no colo, para de ler e olhe para mim. Eu também tenho uma história para contar. Tá duvidando, é? Minha história dá para escrever um livro também, e dos grandes. Só não vou lhe contar agora, porque estou cooom um sooono danado, mas se você me deixar botar a cabeça no seu colo, quando eu acoooordar, eu coonto.
E foi se deitando no mesmo banco de cimento onde estava sentado Silvio Romero. Depois colocou a garrafa de cachaça no chão e aconchegou a cabeça no seu colo. Em poucos segundos adormeceu.
Observar aquele mestre de guerreiro dormindo no colo de tão ilustre escritor me trouxe à tona imagens que criei ao ler sobre sua vida. Inúmeras vezes o menino Silvio adormeceu com a cabeça no colo de sua mãe de leite (que também era escrava da fazenda de seu avô), escutando suas histórias (que depois ele recolheu e publicou em seus livros). Certamente ela ficaria feliz ao ver outro negro com a cabeça no colo de seu menino. Menino que depois cresceu e dedicou parte de sua vida pesquisando e escrevendo sobre a cultura popular. Menino que teve as condições necessárias de transformar sua vivência cultural, seus conhecimentos, em leitura, diferentemente do mestre de guerreiro, que embora acredite que sua vida mereça estar escrita em um livro, nunca aprendeu a escrever ao menos uma, das muitas palavras que precisaria conhecer para contar sua história.

                                             TÂNIA CRISTINA CARDOSO DE GOIS



BOM JESUS DA PONTE


Um dia daqueles de festa. Lembro-me bem à roupa branca, o sapato engraxado brilhando mais parecia um ilustre todos de camisa com bolinha azuis, brilhantina no cabelo e o sino da Catedral Metropolitana tocando. Uma multidão pelas ruas. Pipoca Lírio do Vale e outras de todas as cores, algodão doce, bolinhas de sabão pelos ares, a praça movimentada com o carrossel do Tobias. Chapeuzinho Vermelho sendo apresentado na praça. Senhoras do Sagrado Coração de Maria. Dona Lucinda Nascimento zeladora do altar a 70 anos e Nosso Senhor Bom Jesus dos Navegantes no andor. A praça repleta. As crianças de dona Anete vão na frente as de dona Quinha atrás. - Esta negra é perigosíssima disse dona Quinha para dona Lucinda. - Deixe de preconceito. Respeite o santo disse Anete. Sempre era assim, uma festa, o primeiro de janeiro.
A procissão saía. "A nós descei divina luz! Cantavam com fé e quase gritando as crianças e as beatas. -Devagar com o andor. - Devagar não, que o santo não é de barro, é de gesso.
Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Um cheiro de avon, patchouli pelo espaço, algumas fragrâncias mais refinadas, um Armani, um dior, umgivenchi. Todos iam nos trinques para a procissão de primeiro de Janeiro. Angélica não podia faltar no andor, uma flor tão branquinha que cheirava mais que preta do leite. - Deixe de preconceito, menina. - Que preta do leite que nada. Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Lampiões acesos nas mãos dos coroinhas, o bispo com o véu de ombro, a sutra e o cajado.


ARARIPE COUTINHO, Revista de Aracaju,PMA: FUNCAJU,v1,n.10,2003