sábado, 14 de março de 2015

POESIAS E CRÔNICAS SOBRE ARACAJU





ARACAJU, MEU AMOR


De ti conheço todos os traços                                                  
as linhas de teu corpo percorri
sem sequer ser consultada
no inverno maltratas a terra, e os homens
represando a cidade com suas águas
imundas
no verão seduzes mulheres e crianças
atraídas pelo falso brilho
nem sei o que me prende a ti
se és reta, sem curvas,
murchas nádegas, batidos os  seios
mas não te troco por ninguém
porque o encanto em ti
é não teres nenhum encanto.

                                                  IARA VIEIRA
                                                 (Esses Tempos Ad/Versos, Folha da Praia 1984)


                  RIO SERGIPE
Rio Sergipe, tão íntimo,
As ternas águas domésticas,
Irmanava tua insônia
Ao remanso do meu quarto.

Hoje, oceano, me bordas
Luas antigas, atlânticas,
Quando à varanda escuto
As águas que , dentro em ti,
Tantos anos, me conhecem.

Que, embora venhas ò rio,
Do Agreste ao largo estuário,
Sou eu, meu rio querido, 
Sou eu que em verdade passo...

                                                       HUNALD DE ALENCAR
                                                     (DUO para poesia e Teatro, 2011)



CUIDADO SILÊNCIOS SOLTOS



Arcaju, arcazul

se não sim

caminhos do sul

não são para mim


MÁRIO JORGE, 1993



VERÃO EM ARACAJU


Começa mais cedo

O verão em minha terra.

O sol, ova bela dos trópicos,

Brota das plantas

Da raiz e submersos

E os coqueiros espanam o céu

Com suas cabeleiras luzentes

Cheias de vento e lâminas gel.



O verão em Aracaju


Nasce polpudo

Numa luz sólida

E amarela

Parida de um caju sideral

Imenso

Etéreo

Que cobre todo litoral.



Uma luz diferente

Puríssima

-gaitchosa-

Tomando tudo

Na cadência do falar brejeiro

De matéria grossa e pastosa

Cheia de veios de encandeios

A gotejar sem fim

Raio a raio

Sob a mansidão do Poxim.


RONALDSON (poema do livro Litorâneos)



OBSERVATÓRIO EM GRAGERU


O mundo é grande, inabarcável.

Mas digo Grageru

E o apalpo por inteiro.

Se o mundo é grande,

Maior-bem maior que

O mundo inteiro-

É o meu terreiro.


Grageru,Grageru-

Neve chova ou faça

Sol, de ti abarco tudo

Seja noite dia dezembro

Amores abril ou fevereiro


JOSAILTO LIMA( Retrato Diverso,2004)



CANÇÃO DA PRAIA


O esporão de arraia

Cravou seu gozo temporâneo

Não há como amar

Aracaju, meus conterrâneos.

O paraíso fez-se aqui

ao sangue do mangue

na laia da praia

entre cascatas e tambaquis

e com sua anestesia

de alegria

um sol de beiju

se levanta

driblando caranguejos e siris.


RONALDSON (Litorâneos)



RECADO


Diga a Aracaju

Que sinto saudades (dela)

Principalmente

Da Coroa do Meio

O mar batendo nas pedras

Invadindo as ruas

(E meus pensamentos)

Sinto saudades

Das cabanas na praia

Das manhãs de caminhadas

Onde descansava

As pernas

Nas cadeiras de tábuas

(Frágeis cadeirinhas...)

Sinto saudades

Dessa areia grudadinha

Que cola no corpo inteiro

E tem brilho de purpurina

Sinto saudades

Do por do sol

Quando as tartarugas (preguiçosas)

Vinham lentas

Nas ondas do mar

Dizer:

Até outro dia!


ILDA REZENDE - poema do livro Cama de Vento (inédito)



A PONTE E O VAZIO

à Ponte do Imperador

Nessa ponte não impera a dor

mas sim a alegria

pois ao ligar-se ao nada

beira a margem da poesia.


JEOVÁ SANTANA- Poemas Passageiros, 2011



COM A PALAVRA, O SILÊNCIO


Da próxima vez que eu te encontrar

No calçadão da João Pessoa

Deixarei pra depois

As contas a pagar

Te convidarei pra tomar umas

E exercitar a arte de falar mal dos amigos

E esculhambar o governo


Da próxima vez que eu te encontrar

No calçadão da João Pessoa

Largarei a pressa no chão

E te convidarei pruma prosa

Na qual relembraremos

Os eles e elas

Que povoaram nossas vidas

E haverá tempo pra dizermos

Os trechos dos poemas que amamos

Talvez eu te dê um beijo

Ou segure tuas mãos

Por um tempo que chame a atenção

De quem passa nesta cidade

Onde o tempo não faz curva

É o que farei na próxima vez

Que te encontrar

No calçadão da João Pessoa


JEOVÁ SANTANA (poema do livro Poemas Passageiros)




(verso\1958)

Carrossel foi fincado

na praça de Aracaju

cavalo colado

cadeira pregada

carrossel rodou cheio de crianças

carrossel girou, girou

foi pra dentro da gente

fez da gente pião

e lá fomos rodando

pelo mundo afora.

Carrossel fincado dentro da gente

carrossel fincado na praça de Aracaju.



(reverso\2002)


carrossel retirado

da praça de Aracaju

cavalo queimado

cadeira quebrada

carrossel despregado

do peito da criança

pinhão solto no mundo

atravessado

entalado na garganta

regurgitado

no sono

dos sobreviventes



NAÇÃO TUPI


Pela guerra justa

Lavou-se de sangue

Nação Tupi

Tupinambás morreram

Palhas e coqueiros se converteram E choraram

Dançaram os últimos dos tupis, Diante do clarão.

Ferida acesa.


Sob a dança da chuva,

Peles indígenas

Converteram-se em estrelas.

Serigy contemplou

A pureza de um beijo

Que a lua banhou

Sobre o corpo de Antônio.

Morros de areia,

Colina e aldeia,

Araras e cajus.


JONAS SANTOS DE JESUS – 1º Lugar do I PRÊMIO TOBIAS BARRETO DE POESIA -2004





UM CAMINHO, ALGUMAS LEITURAS!

Caminhar é um exercício de leitura, principalmente quando experimentamos aquele olhar de criança curiosa que se encanta com tudo que está ao seu redor. Caminhando podemos ler o rosto das pessoas, a natureza, os acontecimentos. Caminhar amplia o olhar.
Estava me deliciando com esse pensamento quando esbarrei em Tobias Barreto no Espaço de Convivência Cultural da Orla de Aracaju. O bronze duro da estátua tamanho natural despertou meus sentidos. Examinei a figura de Tobias: imponente, rosto de traços marcantes, pernas que pareciam caminhar firmes em minha direção. Observar Tobias fez com que me lembrasse de outras leituras que fiz sobre esse escritor, e como um pensamento leva a outro... Se Tobias não tivesse morrido, o que escreveria nos jornais? E nos poemas? Que discurso faria? Que tipo de luta travaria?
Alguns turistas se aproximaram e começaram a tirar fotos com as estátuas. Uma foi logo abraçando Jackson de Figueiredo, outra tirou uma foto no colo de Silvio Romero, outro tinha os olhos fixos em Pedro Calazans (parecia querer arrancar a expressão do seu olhar). Eram treze turistas, somente dois leram o que estava escrito em cada uma das estátuas. E se, ao invés de turistas, fossem visitantes sergipanos? Quantos leriam? Quantos se interessam por nossa cultura, nossa história? Após alguns sorrisos e poses, os turistas foram embora. Lembrei do meu professor de artes que sempre insistia em dizer que um povo que não conhece nem valoriza sua cultura é um povo fácil de ser dominado. Professor que nos proporcionou aulas prazerosas sobre escritores e artistas sergipanos. Naquela época eu não podia imaginar a importância daquela vivência cultural!
Nesse momento, vi chegar um morador de rua cambaleante com uma garrafa de cachaça na mão. Sua roupa estava rasgada e suja, porém o chapéu que tinha na cabeça era de chamar a atenção. O chapéu tinha aba dobrada, vários espelhos e brilho de purpurina. O homem olhou para as estátuas e começou a cantar e a dançar:
-Quando eu cheguei nessa casa eu perguntei, eu perguntei se eu podia rezar.
Ajoelhar bem direitinho, guerreiro fazendo pelo sinal.
Depois quase caindo no chão, perguntou as estátuas:
O que vocês estão olhando? Nunca viram um mestre de guerreiro não? Tão achando ruim porque eu estou aqui no lugar de vocês que são rico? Vocês num querem que eu fique aqui não? Mas eu vou ficar. Eu não tenho para onde ir, eu não tenho casa, nem parente, nem amigo, eu não tenho ninguém.
Olhou então para Silvio Romero e falou:
-Ei você aí, você que tá com o livro no colo, para de ler e olhe para mim. Eu também tenho uma história para contar. Tá duvidando, é? Minha história dá para escrever um livro também, e dos grandes. Só não vou lhe contar agora, porque estou cooom um sooono danado, mas se você me deixar botar a cabeça no seu colo, quando eu acoooordar, eu coonto.
E foi se deitando no mesmo banco de cimento onde estava sentado Silvio Romero. Depois colocou a garrafa de cachaça no chão e aconchegou a cabeça no seu colo. Em poucos segundos adormeceu.
Observar aquele mestre de guerreiro dormindo no colo de tão ilustre escritor me trouxe à tona imagens que criei ao ler sobre sua vida. Inúmeras vezes o menino Silvio adormeceu com a cabeça no colo de sua mãe de leite (que também era escrava da fazenda de seu avô), escutando suas histórias (que depois ele recolheu e publicou em seus livros). Certamente ela ficaria feliz ao ver outro negro com a cabeça no colo de seu menino. Menino que depois cresceu e dedicou parte de sua vida pesquisando e escrevendo sobre a cultura popular. Menino que teve as condições necessárias de transformar sua vivência cultural, seus conhecimentos, em leitura, diferentemente do mestre de guerreiro, que embora acredite que sua vida mereça estar escrita em um livro, nunca aprendeu a escrever ao menos uma, das muitas palavras que precisaria conhecer para contar sua história.

                                             TÂNIA CRISTINA CARDOSO DE GOIS



BOM JESUS DA PONTE


Um dia daqueles de festa. Lembro-me bem à roupa branca, o sapato engraxado brilhando mais parecia um ilustre todos de camisa com bolinha azuis, brilhantina no cabelo e o sino da Catedral Metropolitana tocando. Uma multidão pelas ruas. Pipoca Lírio do Vale e outras de todas as cores, algodão doce, bolinhas de sabão pelos ares, a praça movimentada com o carrossel do Tobias. Chapeuzinho Vermelho sendo apresentado na praça. Senhoras do Sagrado Coração de Maria. Dona Lucinda Nascimento zeladora do altar a 70 anos e Nosso Senhor Bom Jesus dos Navegantes no andor. A praça repleta. As crianças de dona Anete vão na frente as de dona Quinha atrás. - Esta negra é perigosíssima disse dona Quinha para dona Lucinda. - Deixe de preconceito. Respeite o santo disse Anete. Sempre era assim, uma festa, o primeiro de janeiro.
A procissão saía. "A nós descei divina luz! Cantavam com fé e quase gritando as crianças e as beatas. -Devagar com o andor. - Devagar não, que o santo não é de barro, é de gesso.
Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Um cheiro de avon, patchouli pelo espaço, algumas fragrâncias mais refinadas, um Armani, um dior, umgivenchi. Todos iam nos trinques para a procissão de primeiro de Janeiro. Angélica não podia faltar no andor, uma flor tão branquinha que cheirava mais que preta do leite. - Deixe de preconceito, menina. - Que preta do leite que nada. Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Lampiões acesos nas mãos dos coroinhas, o bispo com o véu de ombro, a sutra e o cajado.


ARARIPE COUTINHO, Revista de Aracaju,PMA: FUNCAJU,v1,n.10,2003

Um comentário:

thais disse...

Olá, tenho uma editora de livros para impressão em pequena tiragens com base em Aracaju e parceria com outra editora de São Paulo. Se alguém tiver interesse em publicar, procure-nos para fazer um orçamento. thais.ventura@jventura.com.br
Abs.