De
ti conheço todos os traços
as
linhas de teu corpo percorri
sem
sequer ser consultada
no
inverno maltratas a terra, e os homens
represando
a cidade com suas águas
imundas
no
verão seduzes mulheres e crianças
atraídas
pelo falso brilho
nem
sei o que me prende a ti
se
és reta, sem curvas,
murchas
nádegas, batidos os seios
mas
não te troco por ninguém
porque
o encanto em ti
é
não teres nenhum encanto.
IARA VIEIRA
(Esses
Tempos Ad/Versos, Folha da Praia 1984)
RIO SERGIPE
Rio
Sergipe, tão íntimo,
As
ternas águas domésticas,
Irmanava
tua insônia
Ao
remanso do meu quarto.
Hoje,
oceano, me bordas
Luas
antigas, atlânticas,
Quando
à varanda escuto
As
águas que , dentro em ti,
Tantos
anos, me conhecem.
Que,
embora venhas ò rio,
Do
Agreste ao largo estuário,
Sou
eu, meu rio querido,
Sou
eu que em verdade passo...
HUNALD DE ALENCAR
(DUO
para poesia e Teatro, 2011)
CUIDADO SILÊNCIOS SOLTOS
Arcaju, arcazul
se não sim
caminhos do sul
não são para mim
MÁRIO JORGE, 1993
VERÃO EM ARACAJU
Começa mais cedo
O verão em minha terra.
O sol, ova bela dos trópicos,
Brota das plantas
Da raiz e submersos
E os coqueiros espanam o céu
Com suas cabeleiras luzentes
Cheias de vento e lâminas gel.
O verão em Aracaju
Nasce polpudo
Numa luz sólida
E amarela
Parida de um caju sideral
Imenso
Etéreo
Que cobre todo litoral.
Uma luz diferente
Puríssima
-gaitchosa-
Tomando tudo
Na cadência do falar brejeiro
De matéria grossa e pastosa
Cheia de veios de encandeios
A gotejar sem fim
Raio a raio
Sob a mansidão do Poxim.
RONALDSON (poema do livro Litorâneos)
OBSERVATÓRIO EM GRAGERU
O mundo é grande, inabarcável.
Mas digo Grageru
E o apalpo por inteiro.
Se o mundo é grande,
Maior-bem maior que
O mundo inteiro-
É o meu terreiro.
Grageru,Grageru-
Neve chova ou faça
Sol, de ti abarco tudo
Seja noite dia dezembro
Amores abril ou fevereiro
JOSAILTO LIMA( Retrato Diverso,2004)
CANÇÃO DA PRAIA
O esporão de arraia
Cravou seu gozo temporâneo
Não há como amar
Aracaju, meus conterrâneos.
O paraíso fez-se aqui
ao sangue do mangue
na laia da praia
entre cascatas e tambaquis
e com sua anestesia
de alegria
um sol de beiju
se levanta
driblando caranguejos e siris.
RONALDSON (Litorâneos)
RECADO
Diga a Aracaju
Que sinto saudades (dela)
Principalmente
Da Coroa do Meio
O mar batendo nas pedras
Invadindo as ruas
(E meus pensamentos)
Sinto saudades
Das cabanas na praia
Das manhãs de caminhadas
Onde descansava
As pernas
Nas cadeiras de tábuas
(Frágeis cadeirinhas...)
Sinto saudades
Dessa areia grudadinha
Que cola no corpo inteiro
E tem brilho de purpurina
Sinto saudades
Do por do sol
Quando as tartarugas (preguiçosas)
Vinham lentas
Nas ondas do mar
Dizer:
Até outro dia!
ILDA REZENDE - poema do livro Cama de Vento (inédito)
A PONTE E O VAZIO
à Ponte do Imperador
Nessa ponte não impera a dor
mas sim a alegria
pois ao ligar-se ao nada
beira a margem da poesia.
JEOVÁ SANTANA- Poemas Passageiros, 2011
COM A PALAVRA, O SILÊNCIO
Da próxima vez que eu te encontrar
No calçadão da João Pessoa
Deixarei pra depois
As contas a pagar
Te convidarei pra tomar umas
E exercitar a arte de falar mal dos amigos
E esculhambar o governo
Da próxima vez que eu te encontrar
No calçadão da João Pessoa
Largarei a pressa no chão
E te convidarei pruma prosa
Na qual relembraremos
Os eles e elas
Que povoaram nossas vidas
E haverá tempo pra dizermos
Os trechos dos poemas que amamos
Talvez eu te dê um beijo
Ou segure tuas mãos
Por um tempo que chame a atenção
De quem passa nesta cidade
Onde o tempo não faz curva
É o que farei na próxima vez
Que te encontrar
No calçadão da João Pessoa
JEOVÁ SANTANA (poema do livro Poemas Passageiros)
(verso\1958)
Carrossel foi fincado
na praça de Aracaju
cavalo colado
cadeira pregada
carrossel rodou cheio de crianças
carrossel girou, girou
foi pra dentro da gente
fez da gente pião
e lá fomos rodando
pelo mundo afora.
Carrossel fincado dentro da gente
carrossel fincado na praça de Aracaju.
(reverso\2002)
carrossel retirado
da praça de Aracaju
cavalo queimado
cadeira quebrada
carrossel despregado
do peito da criança
pinhão solto no mundo
atravessado
entalado na garganta
regurgitado
no sono
dos sobreviventes
NAÇÃO TUPI
Pela guerra justa
Lavou-se de sangue
Nação Tupi
Tupinambás morreram
Palhas e coqueiros se converteram E choraram
Dançaram os últimos dos tupis, Diante do clarão.
Ferida acesa.
Sob a dança da chuva,
Peles indígenas
Converteram-se em estrelas.
Serigy contemplou
A pureza de um beijo
Que a lua banhou
Sobre o corpo de Antônio.
Morros de areia,
Colina e aldeia,
Araras e cajus.
JONAS SANTOS DE JESUS – 1º Lugar do I PRÊMIO TOBIAS BARRETO DE POESIA -2004
UM CAMINHO, ALGUMAS LEITURAS!
Caminhar é um exercício de leitura, principalmente quando experimentamos aquele olhar de criança curiosa que se encanta com tudo que está ao seu redor. Caminhando podemos ler o rosto das pessoas, a natureza, os acontecimentos. Caminhar amplia o olhar.
Estava me deliciando com esse pensamento quando esbarrei em Tobias Barreto no Espaço de Convivência Cultural da Orla de Aracaju. O bronze duro da estátua tamanho natural despertou meus sentidos. Examinei a figura de Tobias: imponente, rosto de traços marcantes, pernas que pareciam caminhar firmes em minha direção. Observar Tobias fez com que me lembrasse de outras leituras que fiz sobre esse escritor, e como um pensamento leva a outro... Se Tobias não tivesse morrido, o que escreveria nos jornais? E nos poemas? Que discurso faria? Que tipo de luta travaria?
Alguns turistas se aproximaram e começaram a tirar fotos com as estátuas. Uma foi logo abraçando Jackson de Figueiredo, outra tirou uma foto no colo de Silvio Romero, outro tinha os olhos fixos em Pedro Calazans (parecia querer arrancar a expressão do seu olhar). Eram treze turistas, somente dois leram o que estava escrito em cada uma das estátuas. E se, ao invés de turistas, fossem visitantes sergipanos? Quantos leriam? Quantos se interessam por nossa cultura, nossa história? Após alguns sorrisos e poses, os turistas foram embora. Lembrei do meu professor de artes que sempre insistia em dizer que um povo que não conhece nem valoriza sua cultura é um povo fácil de ser dominado. Professor que nos proporcionou aulas prazerosas sobre escritores e artistas sergipanos. Naquela época eu não podia imaginar a importância daquela vivência cultural!
Nesse momento, vi chegar um morador de rua cambaleante com uma garrafa de cachaça na mão. Sua roupa estava rasgada e suja, porém o chapéu que tinha na cabeça era de chamar a atenção. O chapéu tinha aba dobrada, vários espelhos e brilho de purpurina. O homem olhou para as estátuas e começou a cantar e a dançar:
-Quando eu cheguei nessa casa eu perguntei, eu perguntei se eu podia rezar.
Ajoelhar bem direitinho, guerreiro fazendo pelo sinal.
Depois quase caindo no chão, perguntou as estátuas:
O que vocês estão olhando? Nunca viram um mestre de guerreiro não? Tão achando ruim porque eu estou aqui no lugar de vocês que são rico? Vocês num querem que eu fique aqui não? Mas eu vou ficar. Eu não tenho para onde ir, eu não tenho casa, nem parente, nem amigo, eu não tenho ninguém.
Olhou então para Silvio Romero e falou:
-Ei você aí, você que tá com o livro no colo, para de ler e olhe para mim. Eu também tenho uma história para contar. Tá duvidando, é? Minha história dá para escrever um livro também, e dos grandes. Só não vou lhe contar agora, porque estou cooom um sooono danado, mas se você me deixar botar a cabeça no seu colo, quando eu acoooordar, eu coonto.
E foi se deitando no mesmo banco de cimento onde estava sentado Silvio Romero. Depois colocou a garrafa de cachaça no chão e aconchegou a cabeça no seu colo. Em poucos segundos adormeceu.
Observar aquele mestre de guerreiro dormindo no colo de tão ilustre escritor me trouxe à tona imagens que criei ao ler sobre sua vida. Inúmeras vezes o menino Silvio adormeceu com a cabeça no colo de sua mãe de leite (que também era escrava da fazenda de seu avô), escutando suas histórias (que depois ele recolheu e publicou em seus livros). Certamente ela ficaria feliz ao ver outro negro com a cabeça no colo de seu menino. Menino que depois cresceu e dedicou parte de sua vida pesquisando e escrevendo sobre a cultura popular. Menino que teve as condições necessárias de transformar sua vivência cultural, seus conhecimentos, em leitura, diferentemente do mestre de guerreiro, que embora acredite que sua vida mereça estar escrita em um livro, nunca aprendeu a escrever ao menos uma, das muitas palavras que precisaria conhecer para contar sua história.
TÂNIA CRISTINA CARDOSO DE GOIS
BOM JESUS DA PONTE
Um dia daqueles de festa. Lembro-me bem à roupa branca, o sapato engraxado brilhando mais parecia um ilustre todos de camisa com bolinha azuis, brilhantina no cabelo e o sino da Catedral Metropolitana tocando. Uma multidão pelas ruas. Pipoca Lírio do Vale e outras de todas as cores, algodão doce, bolinhas de sabão pelos ares, a praça movimentada com o carrossel do Tobias. Chapeuzinho Vermelho sendo apresentado na praça. Senhoras do Sagrado Coração de Maria. Dona Lucinda Nascimento zeladora do altar a 70 anos e Nosso Senhor Bom Jesus dos Navegantes no andor. A praça repleta. As crianças de dona Anete vão na frente as de dona Quinha atrás. - Esta negra é perigosíssima disse dona Quinha para dona Lucinda. - Deixe de preconceito. Respeite o santo disse Anete. Sempre era assim, uma festa, o primeiro de janeiro.
A procissão saía. "A nós descei divina luz! Cantavam com fé e quase gritando as crianças e as beatas. -Devagar com o andor. - Devagar não, que o santo não é de barro, é de gesso.
Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Um cheiro de avon, patchouli pelo espaço, algumas fragrâncias mais refinadas, um Armani, um dior, umgivenchi. Todos iam nos trinques para a procissão de primeiro de Janeiro. Angélica não podia faltar no andor, uma flor tão branquinha que cheirava mais que preta do leite. - Deixe de preconceito, menina. - Que preta do leite que nada. Era sempre assim o primeiro de Janeiro. Lampiões acesos nas mãos dos coroinhas, o bispo com o véu de ombro, a sutra e o cajado.
ARARIPE COUTINHO, Revista de Aracaju,PMA: FUNCAJU,v1,n.10,2003
Um comentário:
Olá, tenho uma editora de livros para impressão em pequena tiragens com base em Aracaju e parceria com outra editora de São Paulo. Se alguém tiver interesse em publicar, procure-nos para fazer um orçamento. thais.ventura@jventura.com.br
Abs.
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